Nossas memórias são partículas de poeira da grande constelação que rege nossas vidas. Romper com o passado é abandonar sonhos, sepultar memórias, desconstruir castelos, até mesmo aqueles que achávamos que eram feitos de pedra, e com o passar do tempo ruíram, como se não passassem de um amontoado de areia.

Mas a vida é um risco incalculável de incertezas. É como um grande jardim onde crescem as flores com seus matizes e cores, mas também, se não cuidarmos dele, crescem tanto quanto, ou até mais, os cardos e abrolhos.

Nosso passado é constituído de memórias. Boas e ruins, e frequentemente, ao passarmos por grandes dificuldades, muitas vezes, tudo o que queremos é nos libertarmos delas, uma vez que tanto sofrimento nos causam. Nossas memórias tem uma relação de semelhança com nossas células. Assim como a memória é parte integrante e constituinte de nossa identidade, as células são a unidade estrutural dos seres vivos. Ao tratar alguma enfermidade, a quimioterapia tem a finalidade de destruir as células de natureza perniciosa, aquelas que infligiram tanto mal, tanto padecimento, tanta amargura. Mas juntamente com elas, eliminam as células boas também, responsáveis pela nossa sobrevivência, que irão nos nutrir, nos fortalecer, nos preparar para novas batalhas, novos desafios.

Sendo assim, não podemos simplesmente eliminá-las, descartá-las. Ainda que elas realmente sejam agudas e pungentes, são parte de nós, da nossa bagagem. Elas é que dão significado ao que somos, sem elas não existiríamos, pois não saberíamos quem somos. Elas nos permitem considerar nossas experiências vividas e planejarmos o futuro. Uma pessoa sem memória é uma pessoa sem passado, e o passado é a nossa história.

Todos nós passamos por traumas, frustrações e dolorosas desilusões, e por vezes, desejamos mergulhar na obscuridade do presente. Em momentos como esses encontramos conforto e abrigo nos escaninhos de nossas memórias. Tentar esquecer o que nos feriu é inútil e desnecessário. O que devemos fazer, é procurar de alguma forma, dar um novo sentido e significado a elas. Abrir as janelas da alma e deixar o brilho do sol invadir nosso ser para nos aquecer, ouvir aquela canção que nos transporta, nos eleva, regar o jardim dos sonhos engavetados e deixá-los florescer.

Para nos reconstruirmos necessitamos ter em que nos apoiar, nos amparar, ter um suporte. E a memória é uma das principais ferramentas de nosso psiquismo, são nossas defesas, tão necessárias ao combate, pois nossas decisões e escolhas, são baseadas em nossas experiências passadas. Elas são como uma bússola frente ao desconhecido que nos assusta e amedronta. Trilhar caminhos inexplorados requer atenção redobrada. A caminhada exige às vezes, um esforço maior, mais fôlego, mais resistência, menos desperdício de energia, e lembranças amargas pesam mais.

Mas, discriminar o que guardar e o que descartar, decidir o que é dispensável ou até mesmo desnecessário manter na bagagem não é tão simples como possa parecer. Ao falarmos de sentimentos tão profundos, é preciso compreender que cada pessoa tem seu modo único de processar suas emoções. Algumas conseguem mais rapidamente, outras são mais lentas. Então é de fundamental importância, respeitar e entender, que há um descompasso entre o desejo de livra-se das amarras do passado e, de fato, os passos que se dá nesta direção.

Gerenciar a própria vida é uma confluência de teoria e prática que funciona à base de erros e acertos. E mesmo quando acertamos, devemos estar sempre em prontidão, abertos às mudanças, às adaptações, pois a vida é dinâmica, fluida, em constante movimento, onde toda ação gera uma reação.

Ao prosseguirmos levaremos conosco cicatrizes, não há outra maneira. Mas entenda, cicatrizes, não feridas abertas. Assim como na quimioterapia necessitamos de um prazo entre uma sessão e outra, para nos refazermos, nos recuperarmos, também necessitamos de pausas para ordenar os pensamentos, organizar nossos afetos e emoções, concatenar ideias, e porque não, rever conceitos e valores que acalentamos por tanto tempo, mas que já não cabem mais em nós, perderam a serventia.

Autora: Eva Wolff